sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

| João Manuel Ribeiro |





[chove lá fora e] Do trânsito da cidade
chegam notícias férteis de irrupções
que um homem despido de solidão
e nómada de cicatrizes azuis solta

a polícia persegue o meliante
que no seu passo solta temporais
assobia aos pássaros e em estado febril
ata os braços à altura migrante das casas.


ABENÇOADA MULHER

O colo da mulher era riscado
com o vime dos olhos da criança
o corrupio ocasional dos sismos
fendia de alto a baixo os cansaços
e fazia sangrar as colunas de fogo
para dentro dos dias enleados de luz

não sem perplexidade e alguma inveja
percebia-se claramente como era abençoada
a mulher por ter comido o fruto da árvore
do meio do jardim e ser uma pátria feliz


LISURA

Mesmo que não seja hoje o dia exato para despojar
todas as bagagens e amarras permaneçamos ázimos
teimosamente acampados no centro da praça
esvoaçando para lá da migração que impomos
talvez seja um exílio ou outro modo de desaguar
de dizer foz de perseguir o rumo das marés fundas
com excessiva lisura e indomável liberdade